Portugal é um dos únicos países do mundo a permitir que discussões tributárias sejam levadas para câmaras arbitrais e decididas, em comum acordo, por árbitros, em vez de juízes. Pela proposta em discussão por aqui, inspirada no modelo português, a arbitragem poderá ocorrer em qualquer fase da existência do crédito tributário, seja federal, estadual e municipal, desde a ciência do auto de infração até a sua judicialização.
Como forma de incentivar a adoção dessa forma alternativa de resolução de litígios, o projeto também estabelece que serão oferecidos descontos e redução de multas que podem chegar a 60% aos contribuintes que apresentarem pedido de arbitragem envolvendo tributos federais, nesse caso, se o procedimento for requerido no prazo de até 15 dias, contados da data de ciência do auto de infração.
Com 26 artigos e 11 capítulos, o PL 2.486, aprovado no último dia 5 de junho na Comissão Temporária para Exame de Projetos de Reforma dos Processos Administrativo e Tributário Nacional (CTIADMTR), prevê que as câmaras arbitrais serão obrigadas a emitir uma sentença arbitral definitiva em até 12 meses, prazo que pode ser estendido por mais 12 meses, no máximo.
Para o advogado tributarista Gustavo Brigagão, presidente do Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), a observância desse cronograma resultaria em uma resolução significativamente mais rápida das questões em comparação com o longo período de espera – em média de nove anos – enfrentado no Carf (Conselho Administrativo de Recuros Fiscais).
O uso da arbitragem em matéria tributária, no entanto, será restrito, na visão do tributarista. Isso porque o texto inicial da proposta veda as controvérsias que envolvam a constitucionalidade de leis. “Essa disposição deveria ser alterada, tendo em vista que discussões relativas à tributação frequentemente esbarram na interpretação da Constituição”, explica.
Para a advogada tributarista Júlia Nogueira, vice-presidente de Relações Governamentais do Ibatt (Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transações Tributárias), o projeto ganhou visibilidade com a discussão da reforma tributária sobre o consumo, em processo de regulamentação no Congresso Nacional.
Outro ponto favorável à aprovação da proposta que prevê o uso da arbitragem em matéria tributária é a quebra da resistência por parte da PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) para o uso de métodos alternativos para solucionar disputas que levam anos para uma resolução.
“O uso da arbitragem no campo tributário é uma discussão que está bastante amadurecida. É uma oportunidade inclusive para resolver conflitos envolvendo os tributos que serão extintos com a reforma tributária de forma mais célere e em instância única”, diz a tributarista.
De acordo com a advogada, apesar da vedação para os conflitos que envolvam a constitucionalidade das leis e normas, muitas demandas dos contribuintes poderiam ser solucionadas via arbitragem, como aquelas relacionadas à base de cálculo do tributo, planejamentos tributários e o que pode ou não ser considerado insumo no processo produtivo.
Guilherme Giussani, diretor técnico da CEMAAC (Câmara Empresarial de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial de São Paulo), vê com bons olhos o projeto, mas defende aperfeiçoamento do texto em alguns pontos, como os critérios para a escolha das câmaras arbitrais e os pré-requisitos para exercer a função dos árbitros, que precisam ser bem estabelecidos. “Todas as propostas que visam a desjudicalização são bem-vindas”, diz.
RISCOS
Já o advogado tributarista e árbitro da CAM-AMCHAM e da Hong Kong International Arbitration Centre (HKIAC), entre outras, Marcelo Escobar, acredita que a proposta, caso seja aprovada, poderá colocar em risco as arbitragens comerciais, societárias e trabalhistas, já consolidadas no Brasil e com bons resultados.
“Sou veemente contra a evolução de projetos tão abrangentes e conflitantes com a Lei Brasileira de Arbitragem, pois podem gerar discussões e confusões desnecessárias e interferir na higidez da arbitragem”, critica, ao mencionar a inclusão de novas hipóteses para a anulação de sentenças.
Na sua visão, muitos pontos do PL 2.486/2022 já estão previstas na Lei de Arbitragem e no Decreto nº 10.025/19. Sendo assim, bastaria a redação de um regulamento próprio e detalhado para o uso da arbitragem tributária. “O fisco é parte da administração pública, onde a arbitragem já é uma realidade”, conclui.
Fonte: Diário do Comércio